A decisão liminar foi proferida pela juíza federal titular da 5ª Vara Federal Cível em face de pedido da Defensoria Pública da União (DPU) no Espírito Santo para que fosse alterado o calendário de vacinação do Programa Nacional de Imunização, especificamente quanto à vacina contra a influenza (gripe), a fim de garantir que gestantes e puérperas sejam imunizadas na segunda etapa da campanha, iniciada em 16/04/2020.

A magistrada considerou que não há dúvidas de que gestantes e puérperas “enquadram-se nos grupos prioritários da campanha nacional de imunização contra a Influenza”, e que está “prevista e garantida” sua vacinação, “na condição de grupos prioritários” na terceira fase da campanha nacional de vacinação, com início previsto em 09/05/2020.

Diretrizes técnicas e estudos científicos

Quanto à antecipação, afirma a juíza que o Ministério da Saúde utilizou “diretrizes técnicas, baseadas em estudos científicos, cujo alcance não deve ser modificado pelo Poder Judiciário, mormente em sede de cognição sumária”.

“As decisões a respeito das fases estratégicas de aplicação da vacina em questão, além de baseadas em critérios técnicos e científicos, são implementadas com alicerce na legislação, que atribui ao Ministério da Saúde coordenação das “ações relacionadas com o controle das doenças transmissíveis, orientando sua execução inclusive quanto à vigilância epidemiológica, à aplicação da notificação compulsória, ao programa de imunizações e ao atendimento de agravos coletivos à saúde, bem como os decorrentes de calamidade pública” (art. 1o da Lei no 6.259/19754)”, destacou a magistrada na decisão.

Proteção da coletividade

A juíza ainda citou as leis no 6.259/1975, que atribui ao Ministério da Saúde “o dever de definir, em regulamento, a organização e as atribuições dos serviços incumbidos da ação de Vigilância Epidemiológica, promover a sua implantação e coordenação, além de elaborar o Programa Nacional de Imunizações” e nº 13.979/2020, “que dispõe sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus e cujo objetivo é a proteção da coletividade”.

Mitigação

Analisando o conteúdo da Lei nº 13.979/2020, juntamente com as justificativas apresentadas pelo Ministério da Saúde, sobre a alteração das fases estratégicas da campanha de vacinação, concluiu a juíza tratar-se de “medida emergencial implantada com o objetivo de proteção da coletividade, com destaque para o fato de que em nenhum momento houve a mitigação de qualquer dos grupos prioritários. Ao contrário, outros grupos – a exemplo dos caminhoneiros, motoristas de transporte coletivo e portuários -, foram incluídos na campanha diante da impossibilidade de adoção, quanto a estas categorias, de medidas de isolamento social”.

Interferência

A competência para a definição de políticas sanitárias, a exemplo das campanhas de vacinação, é exclusiva do Ministério da Saúde, não cabendo ao Poder Judiciário “interferir sobre as diretrizes adotadas, sob pena de violação ao princípio de Separação dos Poderes consagrado na Carta Magna”, acrescentou.

A juíza ressaltou que cabe ao Judiciário, “tão-somente, fiscalizar as atividades administrativas para eventual afastamento de decisão ilegal, arbitrária ou que padeçam de razoabilidade e/ou proporcionalidade. Em outros termos, salvo excepcional hipótese de ilegalidade praticada no âmbito da Administração Pública – não constatada na espécie – é que se admite a intervenção deste Poder”.

‘Momento de excepcionalidade’

Citando a “estrutura organizada pela Administração Pública (Federal, Estadual e Municipal) com o objetivo de implementação de campanhas como a questionada neste feito”, a juíza alertou para o fato de que, “caso deferida a medida pleiteada, haveria, por efeito, o aumento do público-alvo na segunda fase da campanha de vacinação. Em consequência, haveria a necessidade de se antecipar a aquisição de vacinas que seriam utilizadas, apenas, a partir do dia 09 de maio, assim como “de se promover o deslocamento de agentes públicos que já estão envolvidos em outras atividades ou modificar-lhes a forma e/ou cronograma de trabalho já planejados, com a paralisação das tarefas desempenhadas neste momento por tais servidores, para proceder à vacinação nos moldes do solicitado pelas autoras. Tudo isso em meio à pandemia de COVID-19″”.

“Ora, mesmo que se reconheça a situação vivenciada, não só pelas gestantes e puérperas, mas por toda a população brasileira, não pode o Judiciário, nesse momento de excepcionalidade causada pela pandemia da Covid-19, usurpar a competência dos demais Poderes da República, sob pena de suas intervenções, ainda que bem-intencionadas, gerarem ainda maior desorganização administrativa”, afirmou.

Risco inverso

Ao final, a magistrada entendeu que, no cenário atual, “há plausibilidade nas alegações da União no sentido do risco inverso, seja sob a perspectiva da impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário em questões como a presente, baseadas em diretrizes técnicas e científicas, seja em razão do receio de sobrecarga do sistema de saúde que poderá ser causado com a inclusão de tais grupos na segunda fase da campanha de vacinação”.

Ação Civil Pública nº 5008646-50.2020.4.02.5001/ES

Veja aqui a íntegra da decisão.