Decisão

O titular da 1ª Vara Federal Cível de Vitória, juiz federal Alexandre Miguel, em decisão proferida na tarde de 30/10, acatou o pedido de tutela provisória de urgência do Ministério Público Federal para determinar à União que se abstenha de aplicar o Decreto nº 9.725, de 12/03/2019, que extinguiu, desde o dia 31 de julho, cargos em comissão e funções de confiança da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e do Instituto Federal no Espírito Santo (Ifes).

A decisão suspende a extinção dos cargos e funções descritos, bem como a exoneração e a dispensa dos ocupantes dos referidos cargos e funções, em relação às Universidades e aos Institutos Federais do Estado do Espírito Santo, restituindo a rubrica da folha de pagamento do mês de agosto dos servidores, no prazo máximo de 15 dias, a contar da intimação.

Veja, na íntegra: 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5020591-68.2019.4.02.5001/ES
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

DESPACHO/DECISÃO

Trata-se de ação civil pública, com pedido liminar, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da UNIÃO FEDERAL, partes qualificadas na petição inicial. O autor alega, em síntese, em sua petição inicial, o que se segue:

a) A presente demanda tem por objeto a suspensão dos efeitos concretos do Decreto nº 9.725/2019, que se iniciaram a partir de 31 de julho de 2019, promovendo o corte de 176 (cento e setenta e seis) funções gratificadas na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES e 100 (cem) no Instituto Federal do Espírito Santo – IFES;

b) A partir do dia 31 de julho de 2019, o Decreto nº 9.725/2019 passa a gerar efeitos concretos, para o fim de: i) exonerar e dispensar os servidores ocupantes dos cargos em comissão e das funções de confiança; ii) extinguir os cargos e funções acima indicados no quadro discriminativo referentes às Universidades Federais e Institutos Federais indicados;

c) A extinção de cargos em comissão e de funções ora pretendida viola o art. 84, caput, VI, alíneas “a” e “b”, da Constituição, tendo em vista que os efeitos do Decreto direcionam-se, expressamente a funções gratificadas ocupadas;

d) Tal medida viola, ainda, diretamente, a autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial das Universidades e dos Institutos Federais, atribuídos pelo art. 207 da Constituição da República, assim como a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, arts.53 a 54;
e) Segundo as informações trazidas ao conhecimento deste parquet por meio da Notícia de Fato nº 1.17.000.001454/2019-63, que acompanha a presente petição inicial, não houve qualquer ato formal de exoneração, por parte do Ministério da Economia, que extinguiu as funções na UFES e no IFES, de modo que os ocupantes das Funções Gratificadas dessas instituições foram surpreendidos com a retirada da rubrica da folha de pagamento do mês de agosto dos servidores;

f) A extinção das funções sem qualquer planejamento ou ponderações causará graves prejuízos para o bom atendimento das demandas internas e externas, podendo impactar negativamente no serviço prestado à comunidade atendida, o que inclui empresas assistidas nos projetos de extensão. Segundo consta, serão dezenas de setores que não mais contarão com servidores responsáveis, por exemplo, pela coordenação de pesquisa, chefes de setor de produção, dentre outros;

g) Evidenciam-se impactos substanciais nas áreas administrativas e acadêmicas das instituições federais de ensino superior do Espírito Santo, o que implica, provavelmente, em redirecionamento das demandas para outras estruturas, causando sobrecarga, comprometimento da segregação de funções, acarretando, ainda, sérias fragilidades para a gestão, além de questões relacionadas a infraestrutura, apoio administrativo, controle de acesso às dependências prediais, serviços de protocolo e etc;

h) Exceto quanto aos cargos e funções vagos, todas as demais situações de extinção de cargos ocorre por meio de lei, conforme art. 48, da CR/88;

i) O Decreto reconhece que os cargos e funções estão ocupados, e, de forma absolutamente anômala, buscando burlar as disposições constitucionais, determina e dispõe que “ficam automaticamente exonerados ou dispensados”;

j) O ato previsto na alínea ‘b’, inciso VI, art. 84, configura-se ato normativo, não podendo, portanto, ter efeito concreto para o fim de “exonerar e dispensar servidores”, uma vez que, para tal, deveria se revestir de caráter individual e específico, desde que a autoridade administrativa estivesse investida de competência;

k) Requer o deferimento da tutela provisória de urgência para que seja determinada a suspensão dos efeitos dos artigos 1º e 3º do Decreto nº 9.725/2019, em relação à Universidade Federal do Espírito Santo – UFES e ao Instituto Federal do Espírito Santo – IFES;

Com a petição inicial vieram a procuração e os documentos do evento 1.

Manifestação da União no evento 14, sobre o pedido de tutela de urgência. Regularmente citada, a União apresentou contestação no evento 16.

Vieram-me os autos conclusos. DECIDO. 

1 – DA PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA 

A União suscitou a inadequação da via processual, asseverando estar o MPF buscando, em verdade, “o controle em abstrato de constitucionalidade do Decreto nº 9.725/2019”, havendo, inclusive, ADI ajuizada pelo Conselho Federal da OAB contra o aludido decreto como o mesmo objeto, daí porque haveria usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

A questão suscitada, contudo, a ver deste juízo, não parece plausível.

Ao oposto do que sustenta a União, uma eventual procedência da demanda não acarretará a declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 9.725/2019, haja vista que o pedido principal se limita ao reconhecimento da inconstitucionalidade (incidenter tantum) e ilegalidade da referida norma somente como causa de decidir, para suspender em definitivo os efeitos dos artigos 1º e 3º, determinando-se, em consequência, que a União se abstenha de aplicá-los em relação às Universidades e Institutos Federais no âmbito do Estado do Espírito Santo, bem como para que a ré, em definitivo, não considere exonerados e dispensados os ocupantes dos cargos em comissão e funções de confiança descritos no Decreto nº 9.725/2019, nem considere extintos os referidos cargos em comissão e funções de confiança, sendo a declaração de inconstitucionalidade tão somente causa de pedir da demanda.

Com efeito, assim como ocorre nas ações populares e mandados de segurança, nada impede que a inconstitucionalidade de um ato normativo seja requerida em sede de ação civil pública coletiva como causa de pedir – mera questão prejudicial, indispensável à resolução do conflito principal.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Ação Civil Pública e Controle Difuso (Transcrições) RCL 1.733-SP (medida liminar) RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL.

POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. – O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. STF – Rcl. 1.733-SP, Min. Celso de Melo, DJ, 1.º.12.2000 – Inf. 212/STF.

Sendo assim, numa análise preliminar, não se verifica usurpação de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (STF), já que a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo que embasou a extinção dos cargos em questão constitui causa de pedir desta demanda (mero incidente ou questão prejudicial) e não pedido principal.

REJEITO, portanto, a preliminar arguída.

2 – DO PEDIDO LIMINAR

Conforme foi relatado, o Ministério Público Federal pretende a emissão de provimento jurisdicional de urgência para à ré abster-se de “aplicar os artigos 1º, II, ‘a’ e ‘b’, e 3º, do Decreto nº 9.725, de 12 de março de 2019, no âmbito do Estado do Espírito Santo, no que tange à UFES e ao IFES, bem como para OBSTAR OS SEUS EFEITOS CONCRETOS, impondo à União a obrigação de abster-se das práticas ilegais e inconstitucionais previstas no referido decreto, e em especial para o fim específico de: (i) suspender os efeitos dos artigos 1º e 3º do Decreto nº 9.725, de 12 de março de 2019, em relação às universidades e institutos federais acima referidos; (ii) que a ré não considere exonerados e dispensados os ocupantes dos cargos em comissão e funções de confiança descritos no Decreto nº 9.725, de 12 de março de 2019; (iii) que a ré não considere extintos os cargos em comissão e funções de confiança descritos no Decreto nº 9.725, de 12 de março de 2019.

Para a concessão da tutela provisória de urgência, o legislador exige a concorrência de dois pressupostos – a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC/2015) -, de forma que a simples ausência de um tem o condão de prejudicar, por inteiro, a concessão da medida.

In casu, tenho que estão presentes tais requisitos.

A urgência se evidencia porquanto a extinção dos cargos em comissão e funções de confiança objeto do aludido Decreto já ocorre desde o dia 31 de julho, quando também seriam exonerados ou dispensados os ocupantes dos referidos cargos, implicando em prejuízo direto à gestão administrativa das universidades e institutos federais relacionados na inicial.

Quanto à probabilidade do direito invocado, verifica-se que os dispositivos questionados do decreto autônomo violam os princípios da reserva legal e da autonomia universitária ao extinguir funções e cargos públicos ocupados.

Vejamos:

Dispõe o artigo 84 da Constituição Federal de 1988:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(…)

VI – dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

E, ainda, o artigo 207:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O Decreto 9.725 de 12 de março de 2019 prevê, a partir da data de 31 de julho de 2019, a extinção de vários cargosem comissão e funções de confiança, dentre eles a Funções Gratificadas (FGs) de nível 04 a 09. A referida medida afronta, a uma só vez, a alínea “b” do inciso VI do artigo 84 da Constituição Federal e o princípio da autonomia universitária insculpido no art. 207 da Constituição Federal.

Ora, a burla constitucional se verifica pelo fato de que cargos e funções ocupados somente podem ser extintos por ato legal (art. 48, X, e parte final da alínea ‘b’, inciso VI, art. 84, ambos da Constituição Federal); dessa forma, através de disposição anômala, pretende o chefe do poder executivo tornar indevidamente vagos e desocupados cargos e funções, para então, pelo mesmo ato declará-los extintos.

Como bem asseverado pelo Ministério Público Federal, o ato previsto na alínea ‘b’, inciso VI, art. 84, da Constituição Federal, configura-se ato normativo, não podendo, portanto, ter efeito concreto para o fim de “exonerar e dispensar servidores”, uma vez que, para tal, deveria se revestir de caráter individual e específico, desde que a autoridade administrativa estivesse investida de competência.

Assim, exonerar ou dispensar os ocupantes dos cargos e funções referidas constitui ato de competência exclusiva da administração das universidades e dos institutos federais de ensino superior e de educação técnica.

Conforme se extrai das respostas aos ofícios expedidos pelo Ministério Público Federal encaminhadas pelo Instituto Federal do Espírito Santo – IFES e pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, encartados nos autos do Inquérito Civil 1.17.000.001454/2019-63 (evento 1), os cortes promovidos pelo governo federal incidiram sobre funções gratificadas ocupadas e importantes para a gestão das entidades, incluindo, no caso do IFES, “a extinção no organograma da instituição, tendo em vista que deverão ser readequados os setores afetados pela extinção das referidas funções gratificadas Na prática, se a extinção perpetuar, muitos setores de altíssima relevância institucional serão igualmente extintos, comprometendo de forma inequívoca e irrevogável a qualidade da educação profissional entregue pelo IFES à comunidade”.

Depreende-se, ainda, do Inquérito Civil 1.17.000.001454/2019-63, que o Ministério da Economia não informou formalmente ao IFES que as Funções Gratificadas de nível 04 a 09 ocupadas seriam extintas e/ou que ocorreria a exclusão do pagamento das referidas funções aos servidores que as ocupam, entretanto, a Gestão do Ifes e os cerca de 140 ocupantes das Funções Gratificadas foram surpreendidos com a retirada da rubrica da folha de pagamento do mês de agosto dos servidores, sendo mantido somente o cadastro das funções no sistema Siape. Ou seja, na prática, pelo sistema, sem qualquer ato forma (portaria de exoneração), o Ministério da Economia extinguiu cargos vagos criados por lei e que estão formalmente ocupados.

Já a UFES informa que, no âmbito da Universidade, foram extintas 176 (cento e setenta e seis) FGs nos níveis 04 a 07, o que representa uma redução de 29% (vinte e nove por cento) no quantitativo de funções da UFES. Alegou também que no dia 16/08/2019, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, divulgou o Comunicado nº 561487 (cópia em anexo), com a seguinte informação:

Em cumprimento ao disposto na alínea “b”, inciso II, do Art. 1º, do Decreto nº 9.725, de 12 de março de 2019, que trata da extinção de Funções Gratificadas FG-4, FG-5, FG-6, FG-7, FG-8 e FG9, foi realizada no SIAPE (folha de pagamento de agosto de 2019) apuração especial para dispensar com data de 30JUL2019 todos os ocupantes atualmente designados para as referidas funções que ainda não tinham sido dispensados na situação funcional Ativo Permanente (EST01).

A extinção desequilibra a estrutura geral da instituição e compromete uma série de atividades cuja responsabilidade é atribuída às chefias imediatas. As atividades ligadas ao ensino, pesquisa e extensão demanda ações para as quais se faz necessária a fragmentação das estruturas administrativas e acadêmicas.

A extinção das funções sem qualquer planejamento ou ponderações causa graves prejuízos para o bom atendimento das demandas internas e externas, podendo impactar negativamente no serviço prestado à comunidade atendida (alunos e até mesmo empresas, assistidas nos projetos de extensão). Serão dezenas e dezenas de setores que não contarão mais servidores responsáveis, por exemplo, são coordenadores de pesquisa, chefes de setor de produção etc.

Por fim, não há que se falar em ingerência indevida do Poder Judiciário no mérito administrativo, uma vez que não se está impondo qualquer gasto adicional ao Poder Público Federal, mas tão somente obstando a extinção, por via normativa inconstitucional, de cargos e funções comissionadas OCUPADAS na UFES e no IFES, em prejuízo do funcionamento dessas instituições.

Por todo o exposto, DEFIRO o pedido de tutela provisória de urgência para determinar à União que se abstenha de aplicar o Decreto nº 9.725, de 12/03/2019, no âmbito da Universidade Federal do Espírito Santo e dos Institutos Federais do Estado do Espírito Santo, bem como para obstar os efeitos concretos do referido Decreto, em especial para o fim específico de: (I) suspender os efeitos dos artigos 1º e 3º do Decreto nº 9.725, de 12/03/2019, em relação à UFES e ao IFES; (II) que a ré não considere exonerados e dispensados os ocupantes dos cargos em comissão e funções de confiança descritos no Decreto nº 9.725, de 12/03/2019, relativamente às Universidades e aos Institutos Federais do Estado do Espírito Santo, restituindo à rubrica da folha de pagamento do mês de agosto dos servidores no sistema SIAPE, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a contar da intimação da presente decisão; (III) que a ré não considere extintos os cargos em comissão e funções de confiança descritos no Decreto nº 9.725, de 12/03/2019, relativamente às Universidades e aos Institutos Federais referidos.

Intime-se o Ministério Público Federal para se manifestar sobre a contestação do evento 16, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos dos artigos 350 e 351 do CPC/15.

No mesmo prazo deve informar se há outras provas a produzir, especificando e justificando a sua pertinência.

Dê-se vista ainda à União para que se manifeste, também em 15 (quinze) dias, sobre eventual interesse na produção de provas, devendo, se for o caso, especificá-las e justificar sua necessidade.
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Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE MIGUEL, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.jfes.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 500000389401v10 e do código CRC c0221a07.

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): ALEXANDRE MIGUEL
Data e Hora: 30/10/2019, às 13:28:43