Tela Redonda Dra Elda Foto Ronnie

 

A Justiça Federal do Espírito Santo, por meio de sua Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e Sexual e em parceria com as comissões do TRF da 2ª Região e da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, trouxe a professora doutora Elda Bussinguer para debater o tema no encontro virtual Tela Redonda, realizado no dia 25 de maio, pelo Zoom.

A abertura do bate-papo foi realizada pela servidora Diana Brandão, também membro da comissão da JFES, presidida pela juíza federal Enara de Oliveira Olímpio Ramos Pinto.

Além de agradecer a presença de todos, especialmente do TRF2 e da FDV, Diana resumiu brevemente o histórico da comissão e explicou o objetivo do evento, na linha de conscientização que eles já vêm fazendo na JFES, e apresentou a convidada, destacando a sua formação transdisciplinar.

Coordenadora do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Políticas Públicas, Direito à saúde e Bioética (Biogepe) do Programa de Mestrado e Doutorado da FDV, Elda Bussinguer é pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB) e mestre em Direito (FDV).

Para uma plateia virtual formada em sua maioria por magistrados, servidores e estudantes, a pesquisadora falo sobre “O Direito Fundamental à Saúde das pessoas vítimas de assédio”.

Silêncio ‘pactual’

“O tema do assédio moral e sexual e da saúde dos trabalhadores é um dos mais difíceis de tratar no ambiente corporativo”, iniciou a professora, chamando a atenção para a existência de “um silêncio pactuado em torno da temática”. “E o silêncio é o grande elemento sustentador do assédio moral e sexual”, alertou.

A coordenadora do Biogepe destacou, ainda, que o assédio acontece em todas as relações e não apenas no ambiente de trabalho. Lembrou também que as mulheres são maioria da população, mas apenas 42% de trabalhadoras. E que, a despeito disso, quando se fala em assédio as mulheres voltam a ser maioria.

“As mulheres são, por excelência, as assediadas. E os homens, por excelência, os assediadores”, pontuou.

Ouvir e dizer não

A pesquisadora ressalta que há no Brasil uma cultura, na qual os homens não aprenderam a ouvir ‘não’ e as mulheres não aprenderam a dizer ‘não’.

“Não se diz não para o pai, para o chefe, para o dono. Aprendemos isso em milênios de patriarcado, numa sociedade machista. É uma cultura milenar que vem sendo aceita pelo Estado e validado pela Igreja. E a tendência é o assédio moral e sexual se ampliar.”

Denúncias

De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), as denúncias de assédio no trabalho triplicaram nos últimos dois anos. E os números mostram que é mais fácil denunciar o assédio moral que o sexual: foram abertos 52.936 processos de assédio moral e 3049 de assédio sexual.

Impossibilidade de resistência

Segundo a convidada, o assédio moral também atinge homens, mas de classe econômica menos estabelecida. “Assédio moral e sexual é exercício de poder não resistido. É a impossibilidade de resistência. É preciso compreender esse fenômeno”, enfatizou.

O assédio, na visão de Elda Bussinguer, sustenta-se no silêncio, no medo, na vergonha, na dúvida. “Porque o assédio é sempre sutil. E deixa a pessoa num estado de solidão.”

“Não percebemos que certas condutas são assediadoras e então silenciamos e nos retraímos. Isso também acontece no assédio moral, com homens”, reforçou.

Adoecimento

Estudos – como da psicóloga Michele Halil (UFMG) – mostram que essas formas de violência favorecem o adoecimento profissional. Geram traumas psíquicos, impotência, baixa produtividade, depressão, ansiedade.

A depressão atinge a todos em maior ou menor grau, provocando dificuldade de relacionamento, estresse, síndrome do pânico. Atinge nossa integridade psíquica, física.

Há um pacto de silêncio que força os assediados a não se manifestarem e tranquiliza os assediadores, porque esse silêncio mantém a conduta assediadora.

Medicina e Judiciário são duas áreas em que há grande poder e que favorecem o assédio.

Debate incômodo

De acordo com a palestrante, nos casos de assédio moral é mais fácil conseguir provas, mas no sexual é bem mais difícil. “São coisas que se confundem com flerte, mas flerte não é assédio”.

Ela explica que flerte se dá entre iguais, entre pessoas onde não há sujeição.

Assédio também está atrelado à discriminação de gênero. É uma manifestação discriminatória com repetição de estereótipos de gênero.

“A mulher é considerada uma intrusa no mercado de trabalho. ‘Ela tem que saber’ que ‘seu lugar é no privado e não no público’, então ‘essa intrusa precisa ser enquadrada’ nas estruturas do poder patriarcal”, refletiu.

O assédio seria uma estrutura para construir um espaço doméstico para esses corpos a serem dominados. “É um debate incômodo. Há homens que conseguem enxergar isso e outros que têm mais dificuldade, porque essas relações patriarcais estão arraigadas entre nós e acabamos reproduzindo-as, inclusive nós mulheres”.

Apoio

A presidente da Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio da JFES, juíza federal Enara de Oliveira Olímpio Ramos Pinto, considerou o evento “enriquecedor, emocionante e impactante”. E também um estímulo para os trabalhos da comissão.

“Não vamos conseguir romper com um padrão cultural, estrutural de uma hora para outra. Mas já saímos daqui com ideias específicas para nossos terceirizados e ainda mais conscientes da importância dos canais de escuta humanizada. Temos que realmente seguir como um apoio confiável para as pessoas que são submetidas a um assédio. Estamos muito empenhados para a criação de um espaço mais humano de escuta”, garantiu a magistrada.

Comissão

A Comissão de Combate ao Assédio da Justiça Federal do ES foi criada em 2021, pela então diretora do foro, juíza federal Cristiane Conde Chmatalik, em cumprimento à Resolução nº 351/2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Formada por magistrados e servidores do órgão, representantes de empresas terceirizadas e de outras instituições, como Defensoria Pública, Ministério Público e OAB, a comissão funciona como um canal de escuta e acolhimento para quem passa por situações de assédio dentro da Seccional, além de atuar na promoção de ações de capacitação voltadas para o tema, como o bate-papo ocorrido na última quarta-feira.

A programação dos eventos – normalmente virtuais e abertos ao público – pode ser acompanhada pelo site da Justiça Federal (www.jfes.jus.br) e por seus perfis oficiais no Twitter e no Instagram.

Para saber mais, acesse a página da comissão.