Tela Dra Tani Para Site

No dia 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência contra a mulher, a convidada especial do bate-papo virtual ‘Tela Redonda’ foi a juíza federal Tani Wurster, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que tem sede em Porto Alegre/RS.

Parte das ideias trazidas pela magistrada são resultado de sua pesquisa de mestrado, sobre encarceramento feminino. “Foi em razão dela que acabei envolvida, de modo mais particular, para essas questões do entrelaçamento entre gênero e Direito e também por conta da atuação na Ajufe Mulheres, uma comissão da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) que debate representatividade e feminino no Poder Judiciário, mas também questões de como o Poder Judiciário julga as mulheres”, declarou.

Mas “por que é importante falar de gênero e Direito se a lei é igual para todos, e todos nós somos iguais pela Constituição Federal, e se o Direito é igual para todo mundo, o que importa falar de gênero?, provocou.

Sexo, gênero e sexualidade

Para contextualizar, Tani Wurster falou sobre os conceitos de sexo, gênero e sexualidade. “Sexo diz respeito às características biológicas das pessoas – se você nasce com o aparelho reprodutor masculino, você é um homem; se nasce com o aparelho reprodutor feminino, é mulher. Gênero é uma construção social. Está mais relacionado às expectativas que se atribuem às pessoas de acordo com seu sexo biológico. As expectativas que se constroem socialmente em relação às pessoas que nasceram com o sexo feminino – cabelo comprido, determinados gestos, etc. – e com o sexo masculino – cabelo curto. Sexualidade tem a ver com as atrações sexuais das pessoas. Então se espera da pessoa que nasceu com o aparelho reprodutor masculino que se sinta atraída por pessoas do sexo oposto. É o que a gente chama de heteronormatividade. Existe uma expectativa de que os homens se sintam atraídos por mulheres e vice-versa”.

“Acontece que o mundo não é necessariamente desse jeito”, observa a juíza. “Essas são expectativas que se atribuem às pessoas e estruturam hierarquias. O mundo é composto por essas estruturas que são hierarquias de poder. Um exemplo disso são as expectativas de recato e decência que se atribuem às mulheres e não se atribuem aos homens dessas hierarquias, dessas estruturas que se formam a partir do sexo biológico das pessoas. Essas estruturas, essas diferenças, podem parecer, numa primeira vista, irrelevantes. Mas isso não é verdade. Precisamos tirar o foco da análise pessoal dessas pessoas e passar para uma análise de grupo, para entender o que são estruturas de poder”.

Números

A magistrada trouxe dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Em 2019, aconteceu um estupro a cada 8 minutos no Brasil, sendo que 70% das vítimas eram crianças ou pessoas incapazes de dar seu consentimento. Dados do mesmo fórum apontam que, em 2018, uma mulher foi assassinada a cada 2 horas no Brasil e 70% delas eram negras. Entre 2008 e 2018 houve um decréscimo no homicídio de mulheres brancas da ordem de 11% e um aumento no homicídio de mulheres negras da ordem de 12%, nos últimos dez anos.”

Segundo ela, pesquisas mostram ainda que mulheres recebem rendimentos 70% menores que homens na média geral, apesar do cômputo de horas semanais trabalhadas pelas mulheres ser de 5 horas a mais.

Os homens dedicam maior tempo de trabalho remunerado no espaço público, enquanto as mulheres dedicam menos tempo de trabalho remunerado no espaço público, mas mais horas nas tarefas domésticas. Na soma desses dois espaços – público e privado – as mulheres acabam trabalhando mais horas do que os homens e auferindo rendimentos menores. Isso decorre da expectativa das mulheres desempenharem o trabalho do cuidado.

Nessa configuração de poder, ao masculino se associam características relacionadas à razão, enquanto às mulheres se associam características relacionadas à sensibilidade. Dos homens se espera o exercício do trabalho remunerado. Das mulheres, o trabalho doméstico. Como existe essa expectativa do trabalho doméstico pelas mulheres, elas gastam menos tempo no exercício do trabalho remunerado.

“Alguém precisa fazer esse trabalho, que é uma contingência humana, de tratar e cuidar, e o dia tem 24 horas para todos. Então aquela pessoa que está exercendo o trabalho de cuidado não remunerado, ela não está naquele tempo exercendo o trabalho remunerado no espaço público, ela também não está descansando, ela também não está estudando”, alerta Tani Wurster.

“Então você atribui o trabalho do cuidado para a metade da população mundial, majoritariamente, e atribui o trabalho remunerado no espaço público para a outra parcela da população que está livre do trabalho do cuidado. Só que o trabalho remunerado é aquele exercido no espaço público, o que faz com que aumente a situação de vulnerabilidade das mulheres”.

As pesquisas indicam, segundo a juíza, que os arranjos familiares de maior vulnerabilidade são aqueles onde uma mulher é responsável pelo sustento de uma família. “A mulher com seus filhos é o arranjo familiar de menor remuneração. Se a mulher for negra, a remuneração é ainda menor, o que revela o fenômeno chamado de feminização da pobreza”.

Também se atribui às mulheres a ideia de recato e decência – de que cabe a elas se proteger do desejo sexual do homem. “Se pegarmos essa circunstância e atravessarmos com outro marcador, de raça, a situação fica ainda pior. Na hierarquia, as mulheres negras são as que estão representadas nos trabalhos de menor remuneração, de maior informalidade, são as que gastam mais tempo no trabalho doméstico e as maiores vítimas de violência, seja no feminicídio, seja na violência sexual. São circunstâncias que atravessam essas pessoas, não por questões individuais, mas enquanto grupo. Então, pouco importa como é o arranjo no casamento. Esses dados atravessam as mulheres e particularmente as mulheres negras enquanto grupo e a gente precisa compreender isso”.

Estereótipos

Essas questões também se relacionam com estereótipos – expectativas em relação a atitudes que as pessoas têm. A gente forma julgamento das pessoas sem mesmo conhecê-las. “A atividade de estereotipar é natural do nosso cérebro. Ele estereotipa como uma atividade natural. Faz isso para economizar energia. Cria ‘moldes’ em nossa cabeça sobre as outras pessoas. Esses estereótipos também se associam à raça, o que traz, em termos de Justiça Criminal, questões muito importantes. Essa questão dos estereótipos pode ser traduzida para qualquer minoria.”

Rebecca J. Cout, que em 1867 foi a segunda mulher afro-americana a graduar-se em medicina nos Estados Unidos, conceitua estereótipo como uma visão ou pré-compreensão generalizada de atributos ou características de membros de um determinado grupo ou de papeis que essas pessoas devam desempenhar pela simples razão desse indivíduo fazer parte de um grupo particular, sem considerar as características particulares desse indivíduo.

“Então é o nosso cérebro que pressupõe características só de olhar para as pessoas. A ideia de que a pessoa racista e machista é uma pessoa má, não é necessariamente uma falha de caráter. É também uma falha de caráter, poderá ser feita voluntariamente, mas é também fruto do estereótipo, daquelas atitudes involuntárias e inconscientes que a gente precisa reprogramar”, pondera a juíza do TRF4.

Sistemas cerebrais

Um chamado ‘Rápido e Devagar – duas formas de pensar’, do ganhador do Nobel de Economia, Daniel Cunning, explica que o cérebro funciona na combinação de dois sistemas, 1 e 2. O sistema 1 age rapidamente, automaticamente, sem o poder de decisão ou escolha, é quase ele que pensa por si mesmo, sem que a gente escolha sobre isso. “O sistema 2 é acionado pelo cérebro quando precisamos tomar decisões mais complexas, só que ele gasta energia e o nosso corpo tem tendência de economizar energia por questões de evolução, sobrevivência”, explica Tani.

Então a maioria das decisões que tomamos todos os dias são acionadas pelo sistema 1, sem percebermos necessariamente. Só que esse sistema gera influências, intuições, impressões, sentimentos no sistema 2. “A gente acha que toma decisões voluntariamente, mas na maior parte do tempo estamos sendo influenciadas pelo sistema 1 sozinho, sem pensar muito nele. O sistema 2 pode agir para reprogramar as ideias do sistema 1, mas isso demanda energia e nem sempre estamos querendo fazer isso”.

Classe social

Tani Wurster chama atenção para o fato de o direito ter sido produzido por pessoas, em geral, de uma única classe social: classe média alta, pessoas brancas e homens. A partir das experiências dessas pessoas, do modo que elas vivenciam, de suas perspectivas e experiência pessoais. “As experiências de uma mulher branca de classe média são completamente diferentes das de uma mulher negra da periferia, que tem que deixar três filhos sozinhos em casa para poder trabalhar, com a vizinha, pra vizinha cuidar, ou o mais velho cuida dos mais novos, e tem que pegar três, quatro horas de ônibus para ir para o trabalho. E para receber um salário mínimo”.

O direito também é construído a partir de uma ideia de neutralidade. “As pessoas dizem: ‘por que falar de raça, por que falar de gênero, se o direito é um só?’ Essa é a ideia de de que o direito seria neutro. Mas ele não é. Porque as pessoas são pessoas situadas num mundo, a depender das suas condições. E esses marcadores das diferenças definem essas condições. Se é mulher, se é homem, se é gorda ou magra, se é branco ou preto, se é indígena, se é portador de necessidades especiais, as experiências dessas pessoas são diferentes das demais”.

Para a coordenadora da Ajufe Mulheres, é preciso analisar o direito e compreendê-lo a partir desse sujeito situado no mundo. Mas o direito é interpretado, segundo ela, a partir de um sujeito jurídico universal, como se todas as pessoas fossem iguais aos homens, brancos, de classe média alta.

“Isso gera a invisibilidade das experiências dos outros grupos sociais. Mulheres, negros, mulheres negras, pessoas de outras classes. Por isso a importância de se julgar com perspectiva de gênero – colocar uma lente no nosso olhar, para enxergar o direito a partir das dessas circunstâncias específicas das pessoas. Porque a nossa tendência é julgar a partir dos estereótipos, dessas pré-compreensões que já estão no nosso cérebro, que atribuem características às pessoas sem mesmo conhecê-las. Por que uma pessoa negra que entrou no supermercado de chinelo de dedo e uma mochila nas costas foi seguida pelo segurança e uma mulher loura, branca, de classe média, bem vestida, não é seguida pelo segurança?”, dispara.

Racismo

Tani contou uma história que ouviu sobre estereótipo: fizeram uma experiência, colocaram uma bicicleta com cadeado e pediram a pessoas para tentarem estourar o cadeado. A pessoa não tinha a chave, então ela teria que estourar o cadeado. Fizeram a experiência com dois homens e duas mulheres. Uma mulher branca bem vestida, com uma aparência socialmente relacionada à ideia de beleza, um homem também bem vestido, uma mulher negra e um homem negro.

O que aconteceu? Quando era um homem negro querendo estourar a bicicleta, a maioria das pessoas teve como reação chamar a polícia. Quando a mulher branca bem vestida estava estourando o cadeado da bicicleta, a reação da maioria das pessoas foi ajudá-la. “Essas pessoas não conhecem aquela mulher branca, como não conheciam aquele homem negro. O que faz as pessoas irem ajudá-la a estourar o cadeado da bicicleta e chamar a polícia no caso do homem negro? Só pode ser estereótipo. E racismo, sem dúvida”, conclui.

“Mas o fato de dizer que a gente estereotipa como recurso para economizar energia não diminui o tamanho da nossa responsabilidade em reprogramação mental”, considera a magistrada. “Ao contrário, aumenta a nossa responsabilidade, enquanto operadores do direito. Porque todos os dias estamos julgando as pessoas, utilizando da razão, de modo a atribuir características e expectativas em relação às pessoas que não são necessariamente verdadeiras.”

Mitos e decisões

A palestrante citou exemplos de decisões judiciais.

“Nos casos de estupro, é comum que o juiz e os atores envolvidos na causa passem a avaliar o comportamento da vítima naquela situação. Se a vítima estava de saia curta, se ela estava com uma blusa transparente, se estava bêbada, se tem muitos namorados, se tem foto com muitos homens”. Parte-se do comportamento anterior da vítima, para, a partir dele, presumir o consentimento.

Essa ideia é formada a partir do estereótipo ou preconceito de que cabe às mulheres o recato de sempre, de que ela é responsável por evitar a violência sexual. Isso decorre de um padrão que atribui às mulheres essa expectativa de recato e decência, que, segundo autores, vêm lá dos mitos de Adão e Eva, de Helena de Tróia, de Pandora.

Eva foi responsável por oferecer o fruto proibido para o Adão, ela é a culpada por todos os males do mundo. Pandora abriu a caixa de Pandora por sua curiosidade e acabou com a relação dos homens com os deuses. Helena de Tróia, por sua beleza, gerou uma guerra de 100 anos, ou seja, levou os gregos e troianos a brigar.

“Os estudiosos usam os mitos para explicar de onde saem essas expectativas de recato e decência e a ideia de que a mulher é responsável pela violência sexual que sofre, como se ela fosse responsável pelo desejo dos homens e que eles não seriam capazes de se controlar. Nos crimes sexuais, é importante ter esse olhar para deixar de se julgar o comportamento da vítima num crime sexual”, alerta a palestrante.

Trabalho

Outro exemplo: casos de benefício previdenciário para trabalhadora rural.

Para conceder o benefício é preciso reconhecer o trabalho realizado em regime de economia familiar – tem que ter a mútua colaboração, ser indispensável para a subsistência e realizado em família. Se temos a expectativa de que a mulher exerça o trabalho doméstico, e se ela tem seis filhos – porque às vezes a mulher no campo tem mais filhos do que a mulher na zona urbana -, elas acabam tendo que exercer o trabalho doméstico por algumas horas do dia.

A expectativa de que o trabalho do homem é mais importante do que o da mulher em termos de sustento faz com que tenhamos a pré-disposição de superdimensionar o trabalho masculino e subdimensionar o trabalho feminino na lavoura.

“Primeiro deixamos de considerar o trabalho doméstico como trabalho rural. Ele é o trabalho doméstico daquela mulher que fez o almoço, fez o café da manhã, cuidou das crianças, deu comida para os animais ao redor da casa, plantou horta, cuidou da horta, cuidou dos animais ao arredor, que fez o queijo, a linguiça, o salame. Esse trabalho, a rigor, também é feito em mútua colaboração, mútua dependência e indispensável à sobrevivência. Mas a gente não considera como trabalho rural. E não há nenhum lugar na legislação que diga que isso não é trabalho em regime de economia familiar. Mas a gente tem a tendência a supervalorizar o trabalho da enxada.”

“Temos a tendência de imaginar que quem trabalha duro mesmo é o homem. E que a mulher vai lá dar ‘uma capinadinha’, ‘uma ajudinha’, ela só ‘ajuda na horta’, então o trabalho dela não é essencial, é só assessório do trabalho do marido. “Isso é uma ideia pré-concebida no nosso cérebro. A partir da expectativa de que o arrimo da família é o homem, sendo que, na verdade, em quase 50% dos lares brasileiros, a principal responsável pelo sustento é uma mulher. E a gente continua com a expectativa de que o homem é o arrimo de família. Isso não é necessariamente verdadeiro. A gente precisa analisar o caso concreto”.

“Isso também acontece quando um dos cônjuges, na área urbana, tem um trabalho registrado. A jurisprudência diz que o fato de um deles trabalhar registrado não impede o reconhecimento do trabalho rural em regime de economia familiar do outro cônjuge. Quando o marido trabalha na terra e a mulher é professora da escola rural, ganhando um salário mínimo, a tendência é dizermos que o trabalho do homem é essencial, o dela veio complementar a renda do marido, porque ele trabalha na terra 12 horas por dia, e concede a aposentadoria rural para ele.

“Vamos inverter essa situação. Vamos imaginar que a mulher fique trabalhando na roça e o marido é motorista de ônibus escolar da mesma escola, ganha o mesmo salário da mulher. Qual é a nossa tendência de dizer? Que o trabalho dele é o principal, e que o trabalho dela na roça, aquele rendimento é complementar à renda do marido. Porque na nossa cabeça a mulher não teria condições de trabalhar e produzir tanto quanto o homem. Isso não é necessariamente verdade. Nem toda mulher é mais fraca fisicamente do que o homem”.

A expectativa que se tem em relação às mulheres no exercício do trabalho doméstico influencia na concessão do benefício.

Mulheres presas

O último exemplo deriva da pesquisa de mestrado da juíza federal sobre as mulheres presas. “De 2012 a 2016, o número de mulheres presas aumentou proporcionalmente mais do que o dobro de homens presos. As mulheres presas são só 6%. Mas o aumento do número de homens encarcerados foi de 300% e o aumento de mulheres presas foi de 650%. A maioria dessas mulheres são mães, 72% delas, enquanto só 27% dos homens se declararam pais. E a gente tem as mulheres como varejistas do tráfico, baixa quantidade de drogas, primárias, com bons antecedentes. Fica evidente que existe um padrão da mulher criminosa que está presa. Ela é do varejo do tráfico, mãe, 60% são negras. Homens presos por tráfico são só 26%, enquanto as mulheres presas por tráfico são 62% da população carcerária feminina.”

De acordo com Tani Wurster, o artigo 318 do Código de Processo Penal – e, mais recentemente, 319 – estabelece a possibilidade da concessão da prisão domiciliar se a mulher é mãe de filhos até 12 anos ou gestante. “Ele estabelece isso, mas as mulheres continuaram presas. O Supremo, em 2018, concedeu habeas corpus coletivo e mandou que todas as mães de filhos de até 12 anos ou gestantes, que não tivessem cometido crime com violência ou grave ameaça – em geral as traficantes, com baixa quantidade de droga – ou que não tivessem cometido crimes contra os próprios descendentes, teriam a concessão da prisão domiciliar. A minha pesquisa de mestrado foi feita na penitenciária feminina do Paraná para entender se o sistema tinha cumprido o HC coletivo”.

O Poder Judiciário não cumpriu. As mães de filhos de até 12 anos e grávidas, presas por crimes sem violência ou grave ameaça e que não foram contra seus descendentes, continuam presas. E são presas preventivas, não condenadas.

Ao analisar as decisões judiciais que negaram a concessão da prisão domiciliar para essas mães, Tani Wurster, observou os estereótipos: “se a mulher é traficante ela é uma péssima mãe, e se ela é uma péssima mãe ela não pode ir para casa cuidar de seus filhos”. “Isso não é necessariamente verdade”, considera. “Ela pode ter traficado para sustentar os seus filhos”.

Outros juízes diziam: ‘a mulher foi presa traficando dentro de casa, é uma péssima influência para seus filhos’. “A gente não sabe. Talvez, se ela saísse de casa, teria deixado os filhos sozinhos. Ela fica em casa porque tem que cuidar das crianças. O espaço doméstico é um espaço majoritariamente ocupado pelas mulheres.”

De qualquer forma, isso não era critério do Supremo.

O Código de Processo Penal diz: ‘concederá a prisão domiciliar para gestante’. Segundo a magistrada, havia juiz que dizia: ‘essa mulher quando cometeu o crime já estava grávida, então não merece a prisão domiciliar, porque uma mulher que comete crime grávida é pior do que um homem que comete crime. “Onde está escrito na legislação que uma mulher grávida que comete crime é agravante para o crime de tráfico? Em lugar nenhum.”

Na opinião da pesquisadora, o juiz decidiu que mulher grávida merece punição maior, “a partir dos seus estereótipos, da sua ideia de que da mulher se espera santificação”. “É a Ave Maria, a contraposição entre Maria e Eva. Eva, a pecadora, e a Ave Maria, a redentora. Então as mulheres têm que ter essa ideia de redenção. Isso está muito claro nas decisões judiciais”.

“No crime sexual, na concessão do benefício previdenciário, na não concessão da prisão domiciliar para mulheres mães de filhos de até 12 anos ou grávidas, eu arriscaria a dizer que, em qualquer caso que a gente tenha o cuidado de olhar com essa lente de gênero, vai encontrar esse tipo de comportamento quando uma mulher está sendo julgada, e ela é julgada a partir desses estereótipos.”

Igualdade, justiça e solidariedade

Tani Wurster espera, com sua fala, abrir os olhos dos operadores do direito para essa realidade. “Que possamos compreender os nossos próprios vieses, estereótipos, e tomar cuidado para não reproduzi-los, porque o direito é formado a partir das influências sociais e culturais, mas ele também tem um poder simbólico muito grande de influenciar a realidade. Precisamos ficar atentos para não reproduzirmos esse tipo de comportamento, por que se não estaremos violando os preceitos constitucionais de igualdade, de uma sociedade mais justa e solidária, igual para todas as pessoas.”

Participaram do bate-papo a diretora do foro da JFES, juíza federal Cristiane Conde Chmatalik, dentre outros magistrados e servidores.

O Tela Redonda é realizado semanalmente, pela plataforma Cisco Webex, sempre com um tema diferente e atual. E qualquer pessoa pode participar. Fique atento às próximas programações!

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