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Igualdade, respeito, solidariedade, representatividade, oportunidade são temas constantes no debate feminino, especialmente quando falamos da participação da mulher no mercado de trabalho.

No serviço público e, mais ainda, no Poder Judiciário Federal capixaba, com acesso majoritário por concurso público, identificamos que a participação feminina é constante, especialmente nos cargos de gestão. Mas quando se fala em ascender para a magistratura, a representatividade feminina na Seccional ainda não é tão igualitária.

“Os dados mostram que mais da metade dos servidores da Seção Judiciária é de mulheres, mais da metade dos cargos de gestão é de mulheres. Um avanço. Mas na magistratura em si, especialmente quando se trata de ascensão na carreira, a participação da mulher se torna menos representativa”, pontua a juíza federal Enara de Oliveira Olímpio Ramos Pinto, presidente da Comissão de Enfrentamento e Prevenção ao Assédio e à Discriminação na Justiça Federal do Espírito Santo.

Dos 38 cargos de juízes federais da Seção Judiciária, apenas 8 são ocupados por mulheres (21%). A participação é ainda menor que a já não igualitária média nacional da Justiça Federal, que em 2018 era de 30% de magistradas, segundo diagnóstico realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Acredito que isso se deva a vários fatores, dentre eles ao fato de que as mulheres, via de regra, ainda se sobrecarregam mais com as tarefas domésticas, com os filhos, a chamada “dupla jornada”, e muitas vezes acabam tendo que abrir mão de oportunidades e espaços no trabalho. Também, por certo, o machismo que ainda existe em nossa sociedade, que pode gerar uma subestimação das contribuições e participações femininas”, considera a juíza federal Enara Olímpio.

Evolução

No primeiro período de sua instalação no Espírito Santo, de 1890 a 1937, não havia mulheres na composição da Justiça Federal.  A partir de 1965, com sua recriação, e especialmente a partir de 1967, com sua reinstalação em nosso Estado, há o registro de nomeação das primeiras servidoras e, um pouco mais tarde, em 1989, da primeira juíza federal, Virgínia Procópio Oliveira Silva.

A magistrada foi também pioneira da ocupação de diversos outros cargos: foi a primeira juíza federal a ocupar a Direção do Foro da SJES, nos períodos de 01/01/1996 a 31/12/1996 e 01/01/1997; foi a primeira mulher a compor o Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, no biênio 1997/1999; foi a primeira integrante da primeira composição da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da SJES e também sua primeira presidente no período de 06/03/2002 a agosto/2003; foi a primeira mulher titular da 1ª Vara Federal Criminal da SJES.  Aposentou-se a pedido em 2009.

Alguns anos mais tarde, a Seccional capixaba passou a ter como gestoras, num período de 6 anos, apenas mulheres. Ocuparam o cargo de diretora do foro sucessivamente, a partir de abril/2003, as juízas federais Maria Claudia de Garcia Paula Allemand, Enara de Oliveira Olímpio Ramos Pinto (primeira juíza titular da então única vara federal de Cachoeiro de Itapemirim, a partir de maio/2000, e, depois, primeira juíza do primeiro juizado especial federal instalado no Espírito Santo, em 14/01/2002) e Eloá Alves Ferreira. O ciclo foi encerrado em 02/04/2009.

Em abril de 2017, outra mulher assumiu a Direção do Foro da JFES: a juíza federal Cristiane Conde Chmatalik, que ficou na função por dois biênios consecutivos (2017/2019-2019/2021). Atualmente convocada pelo TRF2, em auxílio ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos da 2ª Região, a magistrada é também coordenadora do Laboratório de Inovação (InovarES) e presidente do Centro de Inteligência da Seção Judiciária capixaba, funções que ocupa sem prejuízo de sua atuação na titularidade na 6ª Vara Federal Cível de Vitória.

Todas as magistradas citadas também atuaram na Turma Recursal e compuseram o TRE-ES.

Servidoras

Desde que as primeiras servidoras da SJES foram nomeadas, em agosto/1967, até outubro/1980, dos 40 servidores que passaram pela Seccional, 17 eram mulheres (42%).

Atualmente, de acordo com A Seção de Provimento e Lotação (Seplo), do Núcleo de Gestão de Pessoas, a SJES conta com 522 servidores, sendo 284 mulheres (54%).  Exercem função comissionada 166 pessoas, sendo 94 mulheres (56%).

Elas são oficiais de gabinete, diretoras e supervisoras nas varas federais, e coordenadoras, diretoras e supervisoras na área administrativa, que de 1993 para cá teve apenas mulheres ocupando seu cargo máximo na Direção Geral: Marilda Bomfim Dessaune Carlos, Neidy Aparecida Emerick Torrezani (que ocupou o cargo em 2 períodos distintos), Maria Cristina Natalli, e, atualmente, Cristiene Ginaid de Souza Cupertino de Castro.

CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituiu, por meio da Resolução nº 255, de 4 de setembro de 2018, a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.

A norma estabelece que a igualdade de gênero é um objetivo a ser perseguido por órgãos de Justiça, com edição de medidas concretas. Incentivar a presença feminina no Judiciário, bem como o tratamento igualitário, é uma diretriz a ser adotada pela alta administração dos tribunais.

Outra ação importante adotada pelo CNJ recentemente foi o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, editado em 2021, citado abaixo, pela juíza federal Enara Olímpio, no seu breve artigo “Nós temos valor”, como contribuição ao Dia Internacional da Mulher.

 

 “Nós temos valor”

Juíza federal Enara de Oliveira Olímpio Ramos Pinto

Enara Olímpio Ramos Pinto

O dia de 8 de março foi escolhido como uma data para que seja lembrada a importância e ainda a necessidade da promoção da luta contra a desigualdade de gênero, que não será de um dia só, mas sim contínua e dura.

Nesse processo de mudança de cultura, o valor da mulher vem sendo ressaltado em muitos veículos de comunicação, em diversas campanhas, como a “Lessons of worth” (“Lições sobre/de valor”), da qual participam várias atrizes internacionalmente conhecidas. E parece surpreendente que ainda se tenha que lançar mão de mensagens direcionadas às próprias mulheres, quase num processo de convencimento, reforçando o seu valor, competência e poder sobre seus corpos e mentes. Mas o véu do patriarcado é muito forte e alcança a todos. Não somente o visível impacta nas relações sociais, pois o simbólico carregado por muitos anos acerca da inferioridade feminina ainda pesa muito. E machuca e tem consequências. Daí a importância desse reconhecimento, que se mostra libertário e justo.

Paralelamente à ideia do empoderamento feminino, é preciso também se estabelecer um ambiente de união e empatia, que coloque mulheres e homens rumo a um mesmo propósito, qual seja de busca de uma igualdade substantiva, que será alavanca propulsora de efetiva mudança, em especial para as futuras gerações.

No Judiciário, é fato que, pela via do concurso público, o acesso se revela igualitário. Não obstante, a expressão da representatividade feminina decresce quando se trata da assunção nas posições de maior poder, como nos Tribunais Regionais e Superiores.

Na busca por alteração desse contexto, iniciativas vêm sendo tomadas em âmbito nacional e local. O CNJ e vários tribunais como como o STJ, o TRF/2ª. Região, entre outros, instituíram comissões específicas para analisar a questão da maior representatividade feminina nos órgãos, bem como têm tomado medidas concretas para desconstruir estereótipos discriminatórios que são barreiras ao reconhecimento integral do valor feminino.

Vale destacar o recentíssimo Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, editado pelo CNJ, em 2021, que tem como objetivo incentivar uma efetiva imparcialidade do julgador, que, diante dos casos concretos, deve analisar com criticidade a complexidade real dos fatos postos sob julgamento e se colocar numa postura de tentar evitar “prejulgamentos”.

Vê-se que o CNJ, “ao editar este documento, avança na direção de reconhecer que a influência do patriarcado, do machismo, do sexismo, do racismo e da homofobia são transversais a todas as áreas do direito, não se restringindo à violência doméstica, e produzem efeitos na sua interpretação e aplicação, inclusive, nas áreas de direito penal, direito do trabalho, tributário, cível, previdenciário etc.” (Apresentação)

Esse reconhecimento e o incentivo da reflexão crítica de posturas, ações e até de decisões por todos os magistrados se mostra um grande passo para um avanço do atual estado de coisas, muitas vezes ignorado por muitos.

Na verdade, a negação desse panorama é, por via transversa, destituir de seu lugar de fala tantas e tantas mulheres que sofreram e sofrem com a discriminação e violência de gênero até hoje. Por isso, atenção.

Enfim, neste dia, vale relembrar que essa luta deve ser de todos, mulheres e homens, pais, filhos, companheiros, amigos, de todos, em lados afins, em favor do respeito, do reconhecimento e da liberdade de ser quem somos.

Juíza Federal Enara de Oliveira Olímpio Ramos Pinto

Presidente da Comissão de Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação na Seção Judiciária do Espírito Santo