A Justiça Federal do Espírito Santo (JFES) realizou na tarde de terça-feira, 22, na sede do órgão, em Vitória, palestra presencial com a professora, escritora e pesquisadora capixaba Bernadette Lyra, sobre “A Experiência do Cinema e a Semana de Arte Moderna”.

O evento encerrou a programação de palestras do projeto “22 é Dia de Arte” da Seccional que, por meio de sua Galeria e em parceria com a advogada e galerista Ana Coeli Piovesan, realiza neste ano atividades mensais em celebração ao centenário da Semana de 22.

A abertura do evento ficou a cargo da juíza federal Enara de Oliveira Olímpio Ramos Pinto, presidente da Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio da JFES e incentivadora do “projeto 22”.

“Esse projeto teve início numa fase de transição das restrições impostas pela pandemia para a vida ‘normal’. Veio como uma oportunidade de integração, além de proporcionar a nós, do Direito, uma atividade multidisciplinar, uma reflexão mais ampla sobre outros fenômenos na área social, que podem nos auxiliar no dia a dia”, declarou a magistrada.

A juíza também destacou que o projeto possibilitou a participação de públicos diversos, “reafirmando o pertencimento ao espaço da Justiça Federal, que é de todos”. E esse foi o caso dos jovens do Instituto Serenata d’Favela, cujo coral se apresentaria em seguida.

“Madrinha” do projeto, a juíza federal Enara Olímpio abriu o evento

Resistência

Acompanhados pela regente Luciene Pratti Chagas, o grupo de 11 adolescentes estavam vestidos com uma camisa branca que trazia o dizer: “Paz na favela”.

Antes de cantarem, Luciene agradeceu a acolhida e fez uma breve apresentação do Instituto, criado por ela há 12 anos, no Morro do Quadro, em Vitória.

“Eu dava aula em uma escola e percebi que os alunos gostavam de música, basicamente o funk. Levei para eles a música popular brasileira e hoje eles cantam tudo de melhor. Onde tem arte é lugar de resistência. O Serenata D’Favela é um projeto de projeção de vida. Querendo visitar, é só subir o morro”, convidou a professora.

Com uma performance recheada de ginga, gestos e expressões faciais, o grupo cantou “Olhos Coloridos”, de Sandra de Sá, os jovens cantores impactaram a todos.

“Que expressão mais linda de resistência. Faz a gente lembrar da razão de estarmos aqui, buscando o que é justo”, declarou a juíza Enara Olímpio.

O coral do Instituto Serenata D’Favela, do Morro do Quadro, Vitória, emocionou a todos com sua performance

Homenagem

Após agradecer o grupo pela participação, e ainda emocionada com o que viu, a juíza federal Enara Olímpio, homenageou a idealizadora e parceira no “22 é dia de arte”, Ana Coeli Piovesan, com flores e certificado.

“Uma advogada combativa, que, com sua atuação profissional, deu visibilidade às mulheres, aliando a tudo isso a sensibilidade da arte”, disse a magistrada sobre a galerista.

Ana Coeli agradeceu ‘imensamente’ a oportunidade de realizar o projeto na Justiça Federal, “um espaço que é da maior respeitabilidade”, e acrescentou que a proposta era fazer como os modernistas: quebrar paradigmas e sair da mesmice.

“22 é pra dizer: precisamos mudar, olhar de outra forma”, afirmou. “Eu me sinto rejuvenescida por ter participado do projeto. Conseguimos realizar uma programação ampla, iniciando com o texto de Graça Aranha – que tem uma história com o Espírito Santo, com o livro Canaã -, falamos sobre a participação do negro, sobre literatura, tivemos o prêmio de contar com a participação de uma arquiteta da Universidade de Sorbone [Sônia Marques, diretamente de Paris] e, hoje, encerramos com chave de ouro, com a Bernadette Lyra”.

A advogada e galerista Ana Coeli foi homenageada pela parceria na idealização do projeto

Contrassenso

Ao iniciar sua palestra, Bernadette Lyra declarou-se muito honrada com o convite e com “lindo coral” que a antecedeu. Em seguida, chamou atenção para o fato de que, embora toda a estética da modernidade tenha ‘brotado’ com o cinema, o cinema não foi incluído na Semana de 22.

“A Semana de Arte Moderna programou poesia, música, pintura, escultura, palestras. Mas o Cinema – a arte moderna por excelência, a filha da técnica – não teve vez entre os artefatos ditos modernistas”, observou. Na visão da palestrante, isso pode ter ocorrido porque a Semana de 22 foi idealizada por um “núcleo burguês, culto, de poder”. E o cinema não era visto como arte, mas como diversão para o povo. “Os filmes eram exibidos em bares, galpões”, lembrou.

Mas todas as ideias da Semana foram, na verdade, impulsionadas pelo cinema. “Não foi a pintura que fez a revolução na cabeça daqueles jovens intelectuais”, reforçou. “Havia uma reação agressiva ao que era tradicional, mas a estética apresentada ainda estava presa ao passado”.

A escritora destacou, ainda, que o olhar dos criadores da Semana de 22 estava voltado para os interesses de São Paulo. Buscava-se apresentar uma arte mais brasileira, mas, para eles, São Paulo era o Brasil. “Eles eram todos paulistas. Havia ali uma ideia de autovalorização, de afirmar São Paulo como locomotiva do Brasil.”

Equilíbrio

Depois de passear sobre fatores políticos e territoriais que influenciaram a SAM, Bernadette traçou um histórico de movimentos que, décadas após décadas, celebraram a Semana de 22, e refletiu sobre o fato de se rotular a arte anterior àquele movimento como algo ultrapassado.

“Até a década de 80, dizia-se que a arte da pintura antes de 22 era ‘acadêmica e sem interesse’. Mas não. A arte não é passadista. Ela vive o seu tempo, mas ela pulsa. Podemos ser mais equilibrados, sem ufanismos e exageros”, opinou.

A professora acrescentou que o Cinema Novo e o Cinema Marginal – movimentos do cinema nacional das décadas de 60 e 70 – trouxeram uma revolução na forma de fazer arte no Brasil, em termos de som, imagem e narrativa, que permanece até hoje. “As telenovelas, por exemplo, têm utilizado muito a linguagem do cinema”, pontuou.

A palestra também foi ilustrada por trechos de filmes clássicos nacionais, como “Macunaíma”, baseado na obra de Mário de Andrade, e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, dirigido por Glauber Rocha.

O recado final de Bernadette Lyra foi que ser modernista é acompanhar as mudanças, acolher a diversidade, e nem, por isso, deixar de ser quem somos.

“É como o Espírito Santo. Somos um pouco de Minas, Rio, Bahia. E somos, genuinamente, CAPIXABAS”, encerrou a ilustre filha de Conceição da Barra/ES.

Em sua palestra, a escritora Bernadette Lyra falou sobre como o cinema na programação da Semana de Arte Moderna, embora toda a estética da modernidade tenha ‘brotado’ com o cinema

Continuação

A palestra “Cinema e Modernidade” encerrou a programação presencial do projeto 22 é dia de arte, mas as atividades culturais continuam, até fevereiro, de forma virtual, sob a coordenação da servidora Gina Valéria Coelho.

Acompanhe a divulgação aqui no site da Justiça Federal ou nos perfis oficiais do órgão nas redes sociais (Instagram e Twitter).

22 é Dia de Arte / Eventos já realizados

  • Dia 22/fev – Início da celebração da Semana de 22 com a apresentação da conferência de abertura da Semana de 22, “A emoção estética na arte moderna”, de autoria do escritor, magistrado e diplomata Graça Aranha, e proferida por ele na abertura do evento, no Teatro Municipal de São Paulo.
  • Dia 22/mar – A professora Renata Cardoso falou sobre os Desdobramentos da Semana de 22 nas artes plásticas, em palestra virtual.
  • Dia 28/abr – Palestra on-line “A invisibilidade de artistas negros e negras na Semana de 22”, com a professora Maria José Corrêa, do Ifes.
  • Dia 31/mai – Palestra e lançamento da exposição virtual “O Espírito do Olhar”, de Gilbert Chaudanne.
  • Dia 22/jun – Abertura da exposição “100 anos de Modernismo”, do artista plástico Jorge Solé, no foyer do auditório da Justiça Federal, em Vitória.
  • Dia 14/jul – Bate-papo virtual “O Modernismo na Literatura Brasileira e do Espírito Santo”, com o advogado, professor, escritor e mestrando em Letras pela Ufes, Anaximandro Amorim.
  • Dia 22/ago – Palestra on-line “O Modernismo e a Cultura Popular”, com a especialista em Patrimônio Imaterial Brasileiro pela Unesco e membro colaboradora da Comissão de Folclore do ES, Joelma Consuelo.
  • Dia 22/set – Exposição virtual e presencial: “Transbordar”, da artista plástica capixaba Luciana Faria.
  • Dia 22/out – Live com a pesquisadora pernambucana Sônia Maria de Barros Marques, com o tema “Arquitetura e Modernismo: Europa, França, Baías e Arrecifes”.

Auditório

 

Grupo Maior

Bernadette Lyra e a servidora Gina Valéria Coelho, responsável pela Galeria da JFES