Professora Carla Amado: “É a cidadania ambiental que temos que desenvolver”

 

Se temos o dever de preservar o meio ambiente para as futuras gerações, como os futuros habitantes do planeta poderão nos responsabilizar? O que significa, afinal, “Desenvolvimento Sustentável”? De que forma um juiz pode avaliar se uma agressão ao meio ambiente foi insignificante ou de grandes proporções? Como punir uma pessoa criminalmente se ela não foi sensibilizada para a questão ambiental? Essas foram algumas das questões levantadas pela professora doutora Carla Amado Gomes (Universidade de Lisboa), em palestra realizada na sede da Justiça Federal do Espírito Santo, em Vitória, na última quarta-feira, 05 de setembro. 

 

Com o tema “Solidariedade Intergeracional e o Dever de Proteger o Meio Ambiente”, a palestra foi aberta pelo juiz federal coordenador de cursos da JFES, Alceu Maurício Junior, que presidiu a mesa diretora também composta pelos professores Daury Cezar Fabriz, presidente da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH), parceira no evento; Paulo Ulhoa, coordenador do curso de Direito da Faculdade São Geraldo; e Felipe Arady, da Universidade Vila Velha (UVV). Na primeira fila do auditório, o gerente de Comunicação, Responsabilidade Social e Relações Institucionais da Arcelor Mittal e membro honorário da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH), Sidemberg Rodrigues. 

 

O juiz declarou que se sentia muito feliz com a realização daquele evento, tendo em vista as controvérsias e a dificuldade de se aplicar o direito constitucional no que diz respeito às questões ambientais, como a ADPF 101 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), na qual se discute se decisões judiciais que autorizam a importação de pneus usados ofendem os preceitos constitucionais, e ações relativas à lei paulista que proíbe o uso de equipamentos produzidos com amianto na construção civil. 

 

Para uma plateia atenta de 80 pessoas, formada por professores, advogados, servidores, estudantes e magistrados, Carla Amado iniciou sua fala com sotaque português – “para provar que realmente havia atravessado o Atlântico para chegar aqui” – mas depois surpreendeu a todos com um sotaque brasileiríssimo durante toda a palestra. 

Simpática, agradeceu o convite e se declarou encantada com a capital capixaba. “Queria agradecer por terem me apresentado essa cidade estupenda. Estou maravilhada e muito feliz por estar aqui. Agradeço por promoverem essa partilha de conhecimento e por esse calor e generosidade do povo brasileiro”, declarou. E foi logo avisando: “como o direito ambiental lida com um bem comum do povo, sobre o qual todo mundo pode falar e opinar, por se tratar de uma questão de sobrevivência, o que vocês vão ouvir aqui não é nenhum discurso da National Geographic, nem fórmulas mágicas, mas apenas pistas de reflexão, ideias para debater um pouco”.

 

Conceitos em definição

 

“O direito ambiental tem apenas 40 anos. Está engatinhando. Mas trouxe novas ideias, novos conceitos que precisam ser adequados”, disse a professora. Dentre esses conceitos estão o de “desenvolvimento sustentável” e o de “solidariedade intergeracional”. 

 

Carla Amado comentou que a Constituição Brasileira de 88 foi a primeira a incluir a ideia de solidariedade entre as gerações, que tem sido incorporado em vários textos constitucionais europeus. Disse ainda que esse conceito nasce com a Declaração de 87, para comemorar a conferência Rio 92, e aponta para o desenvolvimento sustentável, que é uma ideia próxima, de fazer com que as gerações presentes promovam a qualidade ambiental de modo a garantir sobrevivência para as próximas gerações. “Uma teoria bonita, mas que para ser eficaz necessita de estrutura financeira e de controle”.  

Segundo a professora, a expressão desenvolvimento sustentável aparece 383 vezes na Declaração da Rio + 20. “Uma fórmula que de tão usada está desgastada e vazia. Gera uma ambiguidade de lógica. Fala-se muito em economia verde, valorização da natureza, economia sustentável, livre de carbono, mas deixam-se as opções em aberto. Já ouvi argumentos tanto contra como a favor da usina de Belo Monte (no Pará), ambos com base no desenvolvimento sustentável. É uma ideia à procura de um significado.” 

 

“Por outro lado, solidariedade intergeracional não dá votos e nem dinheiro. O governante vai fazer promessas para a geração atual, porque o que interessa pra ele é a conservação do poder”, considerou.

 

Cidadania ambiental

 

Outra questão levantada por Carla Amado diz respeito às penalidades que devem ser aplicadas para quem comete erros em relação ao meio ambiente. Na opinião dela, a legislação brasileira (lei 9.605) “pegou pesado”, levanto em conta o tamanho do Brasil e suas diferenças internas. “O Brasil é um continente. Há disparidades muito grandes. Será que o estado pode cobrar criminalmente o comportamento a uma população que não está sensibilizada? Como criminalizar alguém que não foi sensibilizado para a questão ambiental?”, questionou, ressaltando que “ninguém consegue ser totalmente correto ambientalmente nos dias de hoje. É preciso fazer as pessoas deixarem de lado hábitos enraizados. Leva tempo, tem que ser incutido, sensibilizado”, observou. 

 

Para a palestrante, “é a cidadania ambiental que temos que desenvolver”. Assim, acredita que as penalidades ambientais deveriam ser mais administrativas, fomentando a educação ambiental. Na verdade, sugere três vias de punição, que variem conforme a gravidade de cada caso. “Teríamos as vias criminal, pecuniária e administrativa. A via criminal seria apenas para os casos mais graves”.  

 

No caso da pena pecuniária, ela observa que, quando a multa é muito alta, a pessoa recorre para não pagar. Quando é muito baixa, acaba não dando a devida importância. Ela defende que no caso de “prevaricações ambientais” praticadas por empresas sejam aplicadas medidas que dificultem o seu funcionamento – como a apreensão de equipamentos – além da realização de trabalhos em favor da comunidade. Nos casos de pessoas físicas, considera uma boa ideia inseri-las em estágios de educação ambiental. “A penalidade teria sempre um componente pedagógico acoplado”.

 

O papel do juiz

 

Mas como o juiz pode avaliar se o dano foi de grandes ou pequenas proporções? Na opinião de Carla Amado – cuja tese de doutoramento tem como tema a gestão do risco ambiental – trata-se de uma avaliação técnica, que deve ser feita com o auxílio de peritos. Para exemplificar, citou um caso em que um pescador foi condenado a dois anos de prisão por ter pescado 12 camarões, num período proibido para a pesca e utilizando uma malha não permitida e depois foi absolvido, sob a alegação de que a quantidade de camarões pescados era insignificante, que não prejudicaria o ecossistema. A professora adverte que isso pode ter sido um grande erro, “pois é preciso levar em conta que, se fosse uma espécie em extinção, por exemplo, a pesca de 12 camarões poderia causar sérios danos ao ecossistema, sim. Então, o juiz sozinho não tem como avaliar. Não faz parte da formação dele”. 

 

Respondendo a uma pergunta do juiz federal Alceu Maurício Junior, sobre como o Judiciário pode lidar com o fato de que em matéria de dever fundamental em princípio não é preciso legislação por parte do legislador, a especialista disse que ao juiz cabe controlar a qualidade procedimental da decisão. “O juiz não pode ser um censor da legislação. Pode controlar a imparcialidade, etc, mas não o núcleo da decisão administrativa”.

 

Instituto

 

Membro do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Universidade de Lisboa – atuando como docente e vice-presidente do Conselho Fiscal – a professora respondeu a perguntas da plateia e indicou o site www.icpj.pt para quem deseja se informar mais sobre o assunto. O Instituto foi criado em 2003 e já promoveu cursos sobre Ciência Política, Autarquias Locais, Legística e Ciência da Legislação, Direito da Comunicação Social, Direito das Telecomunicações, Direito das Pessoas com Deficiência, Direito do Património Cultural, Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território, Direito do Ambiente, Direito da Energia, Contratos Públicos, Contencioso Administrativo e Procedimento Administrativo.Em março de 2012, de acordo com informações do próprio site, foi criado, no âmbito do Instituto, um Centro de Investigação, que tem por objeto a prossecução de atividades de investigação e desenvolvimento na área das ciências do Direito Público e disciplinas afins, numa perspetiva de interdisciplinaridade, e que atribuirá especial relevância ao Direito Público dos Países e Povos de Língua Portuguesa.

Agradecimentos finais

Ao final do evento, o juiz federal Alceu Maurício Junior agradeceu à palestrante, que desviou sua rota para vir a Vitória dar sua palestra: “A viagem para o Espírito Santo não estava programada. Graças à generosidade da professora Carla Amado, à ABDH, e ao apoio da Arcelor Mittal, que financiou o evento, isso foi possível”. “Espero que seja apenas a primeira de outras visitas da professora Carla Amado, que Vitória entre no circuito do estudo desse tema tão importante para todos nós”, complementou o coordenador de cursos.  

 

Por parte da JFES, o magistrado agradeceu especialmente ao Núcleo de Comunicação Social e Relações Públicas (NCS) e à Seção de Desenvolvimento de Pessoas (Sedpe), “que num espaço de tempo mínimo, foram capazes de organizar, divulgar e tornar esse evento um sucesso”. Também agradeceu a todos os presentes, dentre os quais os juízes federais Maria Cláudia Garcia de Paula Allemand (5ª VF-Cível), Cristiane Conde Chmatalik (2º JEF), Pablo Coelho Charles Gomes (TR/ES) e o juiz federal substituto Francisco de Assis Basilio de Moraes (4ª VF-Cível).

 

Mais sobre a palestrante

 

A professora Carla Amado nasceu em Luanda, na Angola, em 1970. Foi assessora no Tribunal Constitucional entre 1998 e 1999 e tem diversas monografias, anotações de jurisprudência e artigos publicados nas áreas do Direito Administrativo, Processual Administrativo, Constitucional, Processual Constitucional, Parlamentar, do Ambiente, do Património Cultural, da Educação e Comunitário.  

 

É autora dos livros: “A natureza constitucional do Tratado da União europeia”, Lisboa, 1997; “As imunidades parlamentares no direito português”, Coimbra, 1998; “Contributo para o estudo das operações materiais da Administração Pública e do seu controlo jurisdicional”, Coimbra, 1999; “As operações materiais administrativas e o Direito do Ambiente”, Lisboa, 1999 (2ª edição: 2005); “A prevenção à prova no Direito do Ambiente. Em especial, os actos autorizativos ambientais”, Coimbra, 2000; “Três estudos de Direito da Educação”, Lisboa, 2002; dentre outros.

 

NCS: ncs@jfes.jus.br

Núcleo de Comunicação Social e Relações Públicas

Em 11/09/2012

Às 13h31