Ministro Gilson Dipp: “Judiciário pode ser ponte ou barreira para a cooperação internacional”


    Os juízes podem facilitar a cooperação jurídica internacional, com seu conhecimento e cultura, ou obstaculizá-la, com sua falta de conhecimento. O alerta foi feito pelo coordenador-geral da Justiça Federal, ministro Gilson Dipp, ao proferir a conferência de encerramento do Seminário sobre Cooperação Jurídica Internacional, na última sexta-feira (9), no auditório da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, em Natal. “Uma Justiça que não tenha a compreensão dos problemas internacionais não está afinada com o seu tempo e estará decidindo com padrões totalmente defasados”, adverte o ministro.

   
Ele citou o exemplo de um pedido de cooperação feito pelo Estado suíço, que estava investigando um caso de tráfico de mulheres brasileiras, enviadas à Suíça para prostituição. A autoridade suíça, por intermédio de uma carta rogatória, encaminhou às autoridades brasileiras pedido para investigar operações feitas pelos suspeitos e, se fosse o caso, determinar o bloqueio das contas dessas pessoas. “Eram meros pedidos para que se pudesse instruir os processos contra os autores desses delitos, mas foram sumariamente negados pelo Judiciário brasileiro, sob a alegação de que informações sigilosas e bloqueio de bens não podem ter efeitos executórios”, observa Gilson Dipp. De acordo com ele, as autoridades judiciárias brasileiras também alegaram que o pedido feriria a ordem pública brasileira. “Este é um exemplo de como o Judiciário serviu de barreira para uma investigação”, critica.

   
Dipp acentua que o papel dos juízes na cooperação internacional é extremamente importante. “A jurisprudência, as decisões que a Justiça brasileira vai formular, vão nascer de vocês, juízes. Os avanços do segundo grau ou dos tribunais superiores começam pelos juízes do primeiro grau”, afirmou o ministro, dirigindo-se aos juízes que participavam do seminário. Os tribunais superiores, na visão do ministro, têm dificuldade de superar os precedentes já consolidados. “Temos o ranço da soberania nacional, da ordem pública, dos bons costumes, como se esses fatores impedissem a vulneração de nossas fronteiras”, assinalou Gilson Dipp, ele próprio membro do Superior Tribunal de Justiça, que hoje é competente para apreciar as cartas rogatórias e os pedidos de homologação de sentenças estrangeiras. Ele dá a receita aos juízes do primeiro grau: um pedido de cooperação bem formulado na origem terá ampla chance de ser confirmado nas instâncias superiores. “É uma matéria que desafia o nosso conhecimento e a nossa habilidade”, pontua.

   
O ministro recordou que o tema foi discutido em fevereiro deste ano em Viena, em Congresso Internacional da ONU sobre Tráfico de Pessoas. “Foi em um painel do qual honrosamente participei como palestrante”, conta. E o título do painel, que teve 1.600 convidados e participantes, era exatamente este: cooperação internacional - identificando e superando problemas. “O evento mostrou que o Brasil, apesar de todos os percalços, está no caminho adequado. Estamos à frente de boa parte dos países do mundo. Ficou muito claro para mim, porém, que a participação do Judiciário é essencial, que nenhum avanço na cooperação vai ser efetivado sem a presença do juiz, juiz este que esteve muito tempo afastado da questão, fechado em seu gabinete”, comenta. Ele elogia, em especial, o Ministério da Justiça, que tem sido sensível a essa realidade, passando a convidar os juízes para participarem das negociações de mecanismos que estão viabilizando a cooperação direta.

   
O ministro ressalta que a Emenda Constitucional n. 45/2004 (Reforma do Judiciário) trouxe significativos avanços nesse campo. Um aspecto positivo que, segundo ele, pode ser destacado, é a reafirmação do que estava dito na Constituição Federal, de que tratados e convenções internacionais celebrados pelo país, quando tratarem de direitos humanos, têm força de emenda constitucional. “Por conseqüência, os demais tratados passaram a ter força de lei ordinária”, comenta o ministro.

   
“Outra novidade da emenda, ainda incipiente e menos corajosa do que eu pensava”, ele continua, “foi a de remeter o exequatur das cartas rogatórias e as homologações de sentenças estrangeiras para o STJ, um tribunal mais amplo, mais arejado”. A Resolução n. 9, que regulamenta essa matéria no âmbito do Tribunal, foi, segundo o ministro, um dos maiores avanços que o STJ proporcionou ao Judiciário brasileiro em termos de cooperação. Na época em que a resolução foi editada, o presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, deu ao ministro Dipp a incumbência de redigir o texto da minuta de resolução, aproveitando a sua experiência como integrante da Comissão que elaborou a Lei de Cooperação Internacional, a convite do Ministério da Justiça.

   
Quanto à homologação de sentenças estrangeiras, outra competência atribuída ao STJ pela EC n. 45, a Resolução n. 9 abriu a possibilidade de antecipação de tutela nesses casos, o que para o ministro resultou em grandes benefícios, principalmente na área do Direito de Família, em processos envolvendo a guarda de filhos. A Resolução possibilita ainda que o STJ não conheça uma carta rogatória como tal, se chegar ao STJ com conteúdo que possa ser atendido plenamente pelo auxílio direto. Nestes casos o tribunal pode remetê-la à autoridade central (Ministério da Justiça) para que a repromova como auxílio direto. Desde que passou a ter essas competências, o STJ já recebeu aproximadamente 3.500 cartas rogatórias e pouco mais de 3.000 pedidos de homologação de sentença estrangeira.

   
“Talvez estejamos caminhando para um aperfeiçoamento do sistema. Muitas questões estão ainda amadurecendo. Quem sabe essas prerrogativas não possam ser do juiz de primeiro grau...”, refletiu o ministro, desejando, ao final de sua exposição, que o futuro da cooperação internacional esteja no auxílio direto.

    (Assessoria de Imprensa do CJF, em 13 de maio de 2008)